O casamento de D. Isabel, Princesa de Orleans-e-Bragança



Bruno de Cerqueira*

Nesta Semana da Pátria, quero honrar a memória de D. Pedro I (*1798 †1834) comentando sobre o casamento de uma sua pentaneta.

Em 16 de outubro de 2009, uma sexta-feira, à noite, casar-se-á na Igreja da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro — o famoso Outeiro da Glória dos guias turísticos do Rio de Janeiro — a Princesa D. Isabel Maria Eleonora de Orleans-e-Bragança, trineta de D. Isabel (*1846 †1921), conhecida como Redentora, por ter lutado pela Abolição da Escravatura no Brasil e assinado a Lei de número 3353, que redimiu a história brasileira de sua maior nódoa.

A noiva é a filha mais velha do Príncipe D. Fernando Diniz, que nasceu em Petrópolis em 1948 — mesmo que pertença ao que a imprensa chama de “Ramo de Vassouras” —, e da Princesa D. Maria da Graça, nascida e criada no bairro da Urca (Rio de Janeiro). D. Isabel tem duas irmãs, as belas D. Maria da Glória, 27 anos, arquiteta graduada pela Universidade Santa Úrsula, e D. Luiza Carolina, 25, que termina a graduação em Administração na PUC-Rio.

D. Isabel nasceu em 30 de janeiro de 1978, no Hospital São Lucas, Rio de Janeiro. Estudou em bons colégios da Zona Sul carioca e teve vida de classe média, como a maior parte de suas amigas de infância. Ela se graduou e pós-graduou em Psicologia na PUC-Rio e trabalhou na área de projetos sociais da White Martins. Ao contrário do que muitos imaginam, os príncipes brasileiros não são ricos, visto que a República nunca os ressarciu pelos inúmeros confiscos e perdas perpetrados desde 1889; atestar esse fato histórico-jurídico está longe de constituir monarquismo, uma vez que a União Europeia estipula como um dos pressupostos para a entrada de nações ex-comunistas a indenização de príncipes e nobres espoliados durante e após a II Guerra Mundial. Na descendência da Redentora, apenas o chamado “Ramo de Petrópolis” recebe o laudêmio enfitêutico de Petrópolis, e isso não perfaz grandes somas.

A noiva foi batizada com o prenome ISABEL por ser sobrinha e afilhada da Princesa D. Isabel do Brasil, filha de D. Pedro Henrique (*1909 †1981) — “de jure” D. Pedro III —, cujo centenário de nascimento está sendo comemorado. D. Pedro Henrique, aliás, nutria um carinho todo especial pela netinha que portava o nome de sua avó... Pois bem: D. Isabel do Brasil é prima-sobrinha e afilhada da Princesa D. Isabel de Orleans-e-Bragança (*1911 †2003), a famosa Condessa de Paris, autora consagrada no Brasil e na França, aquela que teria sido rainha-consorte francesa durante a maior parte do século XX, se a Revolução de 1848 não tivesse expulsado do milenar trono de Hughes Capet (c. 938 †996) os seus últimos herdeiros, a Casa de Orleans. Continuando a genealogia, a Condessa de Paris era neta e afilhada de D. Isabel a Redentora, que por sua vez era neta e afilhada da Rainha-mãe das Duas Sicílias, nascida Infanta D. Maria Isabel de Espanha (*1789 †1848).

ISABEL tem origem em um vocábulo feminino do hebraico arcaico, que designava “aquela que é consagrada a Deus”. Desse antigo nome (Elisheva) originam-se, provavelmente, o germânico Elisabeth, o inglês Elizabeth, o francês arcaico Isabeau e o atual Isabelle, os italianos Elisabetta e Isabella, o russo Yelizaveta, o húngaro Erzèbet, o eslavo Alsbietta etc. Todos eles prestam culto às santas da Igreja que, nascidas em linhagens principescas, viveram suas vidas na caridade: Isabel (séc. I a.C. †c. 20 d.C.), a prima de Maria cujo filho (João Batista) saudou Jesus ainda no ventre materno; Isabel da Hungria (*1207 †1231), a duquesa-consorte da Turíngia que foi a primeira penitente da Ordem Franciscana a ser canonizada e Isabel de Portugal (*1271 †1336), nascida infanta de Aragão e que foi a rainha-consorte de D. Diniz I (*1261 †1325). O curioso é que a noiva descende diretamente de Santa Isabel de Portugal, que era sobrinha-neta de Santa Isabel da Hungria, que era sobrinha de Santa Edwiges (*1174 †1243), a célebre padroeira dos endividados que nasceu na atual Baviera (Alemanha), como princesa de Andechs-Merânia e reinou como duquesa-consorte da Silésia (atual Polônia). Nas representações iconográficas, as três parentes são mostradas com coroas exatamente por isso.

Outra coincidência — ou teocidência? — que chama atenção é a de que a data escolhida pelos noivos, aleatoriamente, tenha sido 16 de outubro (festa de Santa Edwiges no calendário litúrgico católico), exatamente um dia após os 145 anos de casamento da Redentora com o Conde d´Eu, celebrado em 15 de outubro de 1864.

Mas, e o noivo, quem é? Digno dos pomposos almanaques da realeza europeia, seu nome tira o fôlego: Alexander Heinrich Martin Christoph Antonius Franziskus Xaverius Benedictus Hubertus Maria. Filho de um conde principesco alemão e de uma nobre belga, Alexander de Stolberg-Stolberg nasceu em Frankfurt, em 1974, e tem dois irmãos e uma irmã. Economista de formação, trabalha no mercado financeiro em Bruxelas, onde conheceu D. Isabel. Anexada ao presente texto, está uma foto dos príncipes no Natal de 2008, na Bélgica.

Alexander é um primo distante do Conde d´Eu, o Príncipe Gaston de Bourbon-Orleans (1842-1922), que era trineto de uma Stolberg-Gedern —um dos muitos ramos em que se dividiu a Casa de Stolberg durante os séculos. Eles são uma dinastia da região norte da Renânia que foram mediatizados pelo Congresso de Viena (1815), passando à esfera dos monarcas prussianos (dinastia Hohenzollern). Muitos Stolberg foram ministros e administradores regionais na Baviera e na Prússia, além de militares e religiosos. Parte da linhagem é católica, parte é luterana, como costuma ocorrer entre os príncipes germânicos após a Reforma Protestante do século XVI.

Alexander descende colateralmente de um grande bispo católico do séc. XIX, D. Willhelm von Ketteler (1811-1877), um dos apoiadores do Papa Leão XIII na encíclica Rerum Novarum (1891), considerada documento “fundador” da Doutrina Social da Igreja. Ketteler foi citado, recentemente, pelo Papa Bento XVI na Deus Caritas est.

Os noivos são extremamente unidos na fé religiosa e a catolicidade parece que dará o tom de seu casamento, visto que vários primos de diferentes nacionalidades estarão na Cidade Maravilhosa para cumprimentá-los e homenageá-los.

Do nordeste brasileiro, vieram congratulações esfuziantes pelo noivado, que ocorreu em outubro de 2008, por parte dos amigos cearenses da Família Imperial brasileira. Explica-se. A mãe da noiva, D. Maria da Graça, é, pela família materna, da aristocracia do Ceará, sendo bisneta de José Candido de Souza Carvalho (*1863 †1941), vice-presidente do Estado do Ceará no governo (1920-23) de Justiniano de Serpa (*1852†1923), e descendente das famílias colonizadoras da ribeira do Acaraú (CE).

Apesar de a notícia do noivado ter sido divulgada entre os associados do Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora (http://www.idisabel.org.br/portugues/noticias_2008_10_22.html), poucos no Brasil estão a par do acontecimento histórico que terá lugar no Rio de Janeiro, no próximo dia 16 de outubro. Trata-se da primeira trineta brasileira de D. Isabel — e justamente sua homônima — a se casar com um príncipe europeu. No Velho Continente, outros da quarta geração da linhagem isabelista já o fizeram: Marie da França (*1959), que desposou Gundakar de Liechtenstein; Mathilde de Wurtemberg (*1962), esposa do conde principesco hereditário de Waldburgo-Zeil-Trauchburgo; D. Maria Paloma de Bourbon (*1967), que se casou com Simeon da Áustria; Eudes da França (*1968), Duque de Angoulême, que desposou Marie-Liesse de Rohan-Chabot e, mais recentemente, D. Aimone de Savóia-Aosta (*1967), que se casou com Olga da Grécia e da Dinamarca, ela mesma também descendente de D. Pedro I...

O Rio de Janeiro, a antiga Corte imperial e capital da República, novamente sediará um evento dessa magnitude. A simplicidade e a religiosidade dos noivos pode — e deve — ser sempre digna de toda a admiração, mas é indiscutível que essa boda representaria uma oportunidade de ouro para o turismo histórico-cultural carioca se pudesse ser bem aproveitada. Após a Missa de Esponsais no Outeiro, cantada pelo coro do Maestro Julio Moretzsohn, os convidados — cerca de 300 pessoas, pelo limite necessário — partirão para o chamado “Paço Imperial”, ou seja, o Paço da Cidade, onde os imperadores despachavam e onde foi assinada a Lei Áurea. Lá ocorrerá a simpática festa de casamento com ornamentação de Antonio Neves da Rocha, contraparente da noiva.

Dias antes, o Instituto D. Isabel (IDII) pretende celebrar uma Missa votiva na Antiga Sé, local do casamento da Redentora, para festejar as Efemérides Brasileiras de 2009 e homenagear os nubentes, dando assim a oportunidade de que absolutamente qualquer um possa felicitar Sua Alteza Real a Senhora D. Isabel e Sua Alteza Ilustríssima o Senhor Alexander.

No presente ano, comemoramos:

· 200 anos do Corpo da Guarda de Polícia da Corte (atual PMERJ) – 13 de Maio

· 190 anos do nascimento de D. Maria da Glória (D. Maria II de Portugal) – 4 de Abril

· 185 anos da 1ª Constituição do Brasil – 25 de Março

· 185 anos da Imigração Germânica no Brasil

· 180 anos do casamento de D. Pedro I com D. Amelia de Leuchtenberg – 2 de Agosto em Munique e 17 de Outubro na Antiga Sé

· 145 anos do casamento de D. Isabel com D. Gastão (Conde d´Eu) – 15 de Outubro

· 120 anos da morte de D. Thereza Christina Maria – 28 de Dezembro

· 100 anos do nascimento de D. Pedro Henrique – 13 de Setembro

· 95º aniversário de D. Maria da Baviera – 09 de Setembro

Alguns sócios do Instituto idealizaram também um jantar beneficente na Casa Julieta de Serpa, no Flamengo, em prol do IDII e do Ballet de Santa Teresa (www.bst.org.br), uma ONG seriíssima do bucólico bairro de Santa Teresa, onde meninas de origem humilde se tornam exímias bailarinas. Como não surgiram patrocínios, o evento corre o risco de não se concretizar... Foi-se o tempo em que D. Pedro II (*1825 †1891) e sua Família eram os maiores mecenas do Brasil e as atividades artísticas e culturais constituíam uma das prioridades dos governantes.

De qualquer forma, o Rio de Janeiro pode se regozijar de assistir a mais um consórcio da realeza. Talvez a maioria das pessoas não saiba, mas o Carnaval carioca surgiu, em certa medida, no longínquo 1810, conforme expliquei em palestra do Bicentenário, ano passado, no Museu do Primeiro Reinado:

Cumpriu-se a vontade do Príncipe Regente e, a 13 de maio de 1810, quando completava 43 anos, ele casou sua filha e seu sobrinho na Capela Real do Rio de Janeiro, no primeiro enlace principesco europeu das Américas... Imaginemos o quanto não se engalanaram os cariocas, fluminenses e todos os demais colonos brasílicos para assistir às festividades. Interessantíssimo é que Oliveira Lima, baseado nos escritos do Padre Perereca (Pe. Luiz Gonçalves dos Santos) dedica as primeiras páginas de seu cap. 26 (As solenidades da Corte), a descrever o exotismo dos folguedos desse casamento.

Isso porque se tratava, precisamente, da primeira festa por assim dizer “mestiça”, ou mesclada/miscigenada, entre uma solenidade curial européia e uma folia colonial ibero-americana. Junção de touradas, cavalhadas, danças africanas e até de um drama, certamente italianizado, celebrado na véspera dos esponsais (Triunfo da América), o casamento de D. Maria Thereza e D. Pedro Carlos foi uma “festa de arromba”, como diríamos hoje em dia.

Vejamos a descrição de Oliveira Lima:

O cúmulo do burlesco atingiram, porém, as festas, comemorativas ainda da boda, celebradas meses depois, e que decerto procriaram o carnaval fluminense. Duraram sete dias na praça do Campo de Sant´Anna e, para amostra do que foi o desfilar de carros alegóricos, basta referir que o primeiro, o dos mercadores, figurava um monte coroado pela estátua da América de arco, aljava, cocar, e saiote de plumas, cercada de índios, quadrúpedes, e pássaros assomando dentre as ervas e flores, donde também brotavam esguichos que aguavam a praça. Havia nos outros carros, oferecidos pelos ourives, negociantes de molhados, latoeiros, carpinteiros, e outros como os denominaríamos hoje sindicatos profissionais, uma dança de chins, uma ilha do Pacífico com seus indígenas, um castelo donde emergia uma dança militar, um escaler de marujos remando e cantando antes de desembarcarem e bailarem, um grupo de ciganos com as mulheres nas garupas dos cavalos, até uma dança de homens disfarçados em macacos, dando saltos, fazendo caretas, executando cabriolas, até formarem a pirâmide humana — nil nove sub sole — e o macaquinho do tope desenrolar diante da tribuna real... os retratos dos sereníssimos consortes.

Enfim, após a inestimável perda que representou a tragédia do AIR FRANCE, onde tantos compatriotas e estrangeiros pereceram e finou-se o primo-irmão da noiva e futuro herdeiro dos direitos ao trono, D. Pedro Luiz (*1983 †2009), que Deus conceda à Família Imperial, ao Brasil e ao Rio de Janeiro bênçãos especiais por ocasião de mais um enlace principesco.

Vivas ao Brasil e aos Brasileiros!


* Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, gestor do IDII, é graduado em História

pela PUC-Rio e pós-graduado em Relações Internacionais pela Univ. Candido Mendes.

É especialista em história e genealogia dinásticas e consultor de Cerimonial e Protocolo.


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